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R7 Brasília

PcDs no ensino superior quase triplicam em dez anos, mas ainda são menos de 1% dos estudantes

Levantamento feito pelo R7 revela crescimento do o de pessoas com deficiência na graduação; no entanto, ainda há desafios

Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

Beatriz (camiseta preta) tem uma rede de amizade na UFC com PcDs Arquivo Pessoal/Reprodução

O número de PcDs (Pessoas com Deficiência) que entram no ensino superior aumentou quase três vezes em dez anos. Ao todo, o número saltou de 10.435 estudantes com deficiência ingressando na universidade em 2013, para 39.146 em 2023. O total de PcDs que terminaram o ensino superior, no mesmo período, também cresceu: de 3.795 para 12.659. No entanto, apesar do crescimento, o valor é menos de 1% dos estudantes que concluem a graduação, bem abaixo da parcela de 9% que essa população representa no país.

O aumento é um reflexo da Lei de Cotas, em vigor desde 2016. A legislação reserva vagas em universidades públicas para PcDs seguindo proporcionalidade apontada pelo censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Os dados são de levantamento exclusivo feito pelo R7 com base no Censo de Educação Superior e analisados com ajuda do cientista de dados Giscard Stephanou. Em mestrados e doutorados, a quantidade de estudantes com deficiência também registrou aumento de 222% no número de matriculados e de 379% de concluintes, em sete anos, de acordo com os dados da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

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No Brasil, o número de PcDs com dois anos ou mais chega a 18,6 milhões de pessoas, o equivalente a 8,9% da população, conforme a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2022. Enquanto isso, o número de PcDs no ensino superior equivale a 0,7% dos ingressantes e 0,76% dos concluintes. Entre os desafios estão falta de estrutura das universidades, preconceito e apoio insuficiente, de acordo com relatos de estudantes com deficiência ouvidos pela reportagem.


Uma trajetória de desafios

Beatriz conta os desafios do ensino superior para PcDs Arquivo Pessoal/Reprodução - arquivo

A estudante de ciência da computação da UFC (Universidade Federal do Ceará) e deficiente visual Beatriz Fernandes, de 26 anos, relata os desafios que encontra no ensino superior. Beatriz nasceu no Rio de Janeiro, mas se mudou para Fortaleza para cursar a graduação. Ela entrou pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada) na universidade, usando a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Os obstáculos começaram, no entanto, ainda antes de entrar na UFC. “Eu fiz o Enem já em Fortaleza e tive algumas dificuldades. Apesar deles oferecerem recursos como leitor e transcritor, eu solicitei também o o ao computador e a máquina que mandaram no dia era bem lenta, perdi quase uma hora de prova só tentando normalizar a máquina para conseguir usar”, conta.


Outro desafio, segundo ela, é a redação do Enem. “Não temos a possibilidade de escrever no notebook, precisamos ditar a redação para outra pessoa que a escreve e se essa pessoa cometer um erro de caligrafia e ortografia somos nós que perdemos nota, porque o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) não tem como saber se a nossa prova é uma prova adaptada, se fomos nós que escrevemos [a redação] com as nossas próprias mãos ou não”, explica.

Veja Número de PcDs na graduação Luce Costa/Arte R7

Realização de um sonho

Beatriz relata que sempre sonhou em cursar ciência da computação, mas o curso é pouco adaptado para a sua realidade. “É uma área muito difícil para pessoas com deficiência visual total, que é o meu caso. A área de exatas é uma área desafiadora porque a forma como os conteúdos são transmitidos é uma forma muito visual, então a gente acaba tendo diversos desafios nessa parte do aprendizado, da transmissão de conteúdo, da absorção, que é totalmente diferente para a gente do que para uma uma pessoa que enxerga”, pontua.


O caminho foi possível porque Beatriz pôde contar com inúmeros professores que a ajudaram na adaptação dentro da UFC. O coordenador e o secretário do curso, por exemplo, sempre a auxiliaram. “Assim que eu entrei eles adaptaram muitas coisas para mim. Mudaram a sala de aula para um único local, para eu ter um o melhor. E o meu secretário de curso, apesar de não ser da responsabilidade dele, faz comigo uma espécie de orientação de mobilidade pelos prédios que eu tenho mais o. Ele vai me ensinando a caminhar por ali, me mostrando algumas diferenças e eu vou caminhando com a bengala e tentando memorizar os caminhos para poder me locomover sozinha nas áreas comuns”, detalha.

Apesar disso, tiveram também aqueles que dificultaram. “Tive, sim, professores que não foram tão compreensíveis, que acabaram querendo exigir de mim coisas que eu não era capaz de dar, apesar de eu dar sempre o meu melhor. Mas há pontos que não vou conseguir ultraar e não por falta de vontade, mas pela barreira visual”, declara.

Pós-graduação tem baixo número de PcDs Luce Costa/Arte R7

Deixar um legado

Beatriz salienta que a “a dificuldade que as pessoas com deficiência têm para ar o ensino superior vem desde o ensino fundamental e médio” e envolve também o comportamento da sociedade.

“Eu me tornei cega aos 12 anos por um quadro de negligência médica. A minha família não estava acostumada a lidar com aquilo. Eu não estava acostumada a viver aquilo. Até a minha família entender que era o meu desejo sair de casa e viver a minha vida foi todo um processo, com muito diálogo, muitas lágrimas e muitos sorrisos”, lembra.

Para ela, apesar do empenho de diversos profissionais, falta um preparo prévio nesses ambientes para receber pessoas com deficiência. “Eu fui a primeira pessoa totalmente cega a entrar nesse curso nesse campus de Fortaleza, e quando eu entrei muitos professores ficaram chocados, sem saber o que fazer comigo. O caminho que eu trilhei agora já está desbravado, para que quando uma próxima pessoa, com a mesma condição que eu, entrar, não tenha que pisar nas mesmas pedras que eu pisei e que eu afastei para poder ar”, afirma.

Ela diz que é importante preparar esse caminho, deixar esse legado. “Não é justo a gente só receber recursos quando estamos no ambiente. Por exemplo, o piso tátil não tem nos blocos que eu estudo. Não tem ibilidade alguma para ir de um prédio para o outro, não tem braile nas portas. Mas talvez, quando eu terminar o curso, já tenha”, espera.

PcDs ainda são menos de 1% dos estudantes Luce Costa/Arte R7

Inclusão

Diretora da Secretaria de ibilidade da UFC (UFC Inclui), Marilene Calderaro Munguba explica que os principais desafios estão em três instâncias: formação contínua de professores voltada para a Educação Especial na Perspectiva Inclusiva; sensibilização de toda a comunidade acadêmica para as diferenças e demandas dessas pessoas; e a discussão e elaboração de uma Política de ibilidade da UFC.

Ela avalia que a universidade tem avançado significativamente em parcerias com as pró-reitorias, superintendências e secretarias para capacitar e sensibilizar os profissionais para as necessidades de cada estudante e servidor PcD. “Neste semestre, vamos iniciar as ações do projeto ‘Monitor em ibilidade e Inclusão Estudantil na UFC’, vinculado ao Programa de Acolhimento e Incentivo à Permanência. Essas ações serão voltadas à promoção do acolhimento dos estudantes cursando o primeiro ano de seus cursos”, conta.

Neste ano, a UFC implementou a Comissão de Obras de ibilidade Arquitetônica da UFC que tem o objetivo de analisar os projetos arquitetônicos de obras voltadas para a ibilidade dos estudantes. Marilene reconhece que o caminho ainda é longo. “Uma das principais dimensões da ibilidade é a atitudinal, que é a base para que as demais sejam contempladas. Para que isso ocorra, é necessário que a cultura da ibilidade seja fortalecida, tanto na universidade, como na sociedade como um todo”, diz.

“Um ambiente inclusivo acolhe todas as diferenças, promove o acolhimento dessas demandas específicas de cada pessoa. A equidade precisa ser um objetivo preponderante em todos os contextos das universidades, o que gera o acolhimento e a permanência e qualidade de vida no âmbito do Ensino Superior”, defende.

A diretora da Secretaria de ibilidade da UFC relata que desde a criação do UFC Inclui, em 2010, o número de estudantes PcDs na universidade saltou de seis para 1068, no ano ado. “Com certeza, a visibilidade que esse número crescente ingressando na UFC, tem feito a diferença, em especial, porque aumenta a sensibilização, assim como a pressão pela garantia da ibilidade em todas as suas dimensões”, analisa.

Falta ibilidade

O problema da ibilidade não é observado apenas nas universidades públicas. O Diego Veiga, de 26 anos, morador do Sudoeste, conta os desafios que teve durante a graduação em uma universidade particular de Brasília para usar a cadeira de rodas. “Durante o meu período acadêmico, tive aulas em dois prédios que não seguiam as normas de ibilidade arquitetônica. Meus colegas de turma tinham que me subir por escadas longas para chegar nas salas de aula destes prédios, pois não havia elevador. Mas fora isso, a universidade tinha uma boa ibilidade arquitetônica no geral”, conta.

Diego Veiga se formou em jornalismo e é ativista pelos direitos dos PcDs Reprodução/Arquivo Pessoal

Ele menciona que os colegas de classe e os professores sempre foram atenciosos. “A instituição, apesar de ter suas falhas no quesito da ibilidade arquitetônica, sempre foi exemplo na questão da ibilidade atitudinal. Sempre havia um funcionário disposto a me ajudar no que fosse preciso para chegar onde eu precisasse”, observa.

Veiga avalia o que ainda precisa melhorar no cenário do Brasil. “Acredito que antes de qualquer coisa, precisamos pensar na questão da ibilidade numa ótica universal. Para que mais PcDs frequentem e se formem nas universidades, precisamos levar a sério e entender a importância dos vários tipos de ibilidade. Acredito que para que tenhamos um percentual maior de alunos com deficiência formados, precisamos que os meios que são necessários para que a pessoa ingresse na universidade estejam adaptados para nós”, defende.

Para ele, isso começa com a urbanização das cidades — com calçadas adequadas — a pelo transporte público e chega até a escola e à universidade. “Precisamos de mais efetivação das várias ibilidades, principalmente a atitudinal, pois é com ela que chegaremos a mudanças realmente concretas para a inclusão efetiva de pessoas com deficiência em todos os lugares, incluindo nas universidades”, lista.

Avanços na política de inclusão

Professora do Departamento de Práticas Educacionais e pol da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Flávia Roldan Viana cita avanços na inclusão de pessoas com deficiência. “Tivemos mudanças e avanços após a implementação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI)”, menciona.

Apesar disso, ela cita os desafios: falta de rampas, elevadores e banheiros adaptados; falta de tradutores e intérpretes de libras, materiais em braille ou outros formatos íveis; o preconceito e a falta de preparo dos servidores também são barreiras, assim como a falta de apoio.

“Os currículos e metodologias inflexíveis, tendo em vista que os currículos e métodos de ensino não consideram as diferentes formas de aprender e participar e acabam por excluir estudantes com diversas deficiências. Além disso, uma única disciplina de Fundamentos da Educação Especial e uma de Libras, obrigatórias nos cursos de licenciatura, não contempla de maneira efetiva todas as discussões e avanços que precisam ser feitos”, declara.

Flávia avalia que falta articulação entre o ensino médio e o ensino superior para facilitar a adaptação dos estudantes PcDs ao ambiente universitário. Falta, segundo ela, investimento adequado em políticas de inclusão e ibilidade. “[Também há] desconhecimento das Necessidades Educacionais Específicas, por parte da comunidade acadêmica, docentes, Técnico em Assuntos Educacionais, entre outros, haja vista que a falta de compreensão das necessidades particulares de cada tipo de deficiência leva a soluções genéricas que não atendem às demandas individuais”, observa.

Para ela, mesmo com o crescimento do número de PcDs no ensino superior, o cenário ainda é preocupante e desigual. “Apesar do aumento no número de estudantes PcD ingressando no Ensino Superior, o que considero um índice ainda aquém do esperado, a baixa taxa de conclusão indica que o o não se traduz em permanência e sucesso”, analisa.

“Isso demonstra que as instituições de ensino superior ainda não estão preparadas para oferecer um ambiente verdadeiramente inclusivo. A discrepância entre a representatividade da população PcD e a proporção de graduados PcD no Ensino Superior evidencia uma falha sistêmica em garantir o direito à educação em igualdade de oportunidades”, diz.

Particularidades de cada deficiência

Para a professora, é preciso avançar em investimento e infraestrutura ível, tecnologia assistiva, formação de profissionais e apoios diversos. “[Precisamos ter] políticas públicas mais eficazes, para implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e políticas de inclusão, garantindo recursos e diretrizes claras para as instituições de ensino; promover ou intensificar, como é o nosso caso em particular, a formação continuada de docentes, técnicos/as istrativos/as e gestores/as em temas de ibilidade, inclusão e diversidade, combatendo o capacitismo e o preconceito”, defende.

Flávia observa que não existe uma solução única para a inclusão, “pois cada pessoa com deficiência tem suas próprias formas de aprender, se comunicar e interagir com o ambiente”.

“Para acolher as diferentes realidades, as instituições devem estabelecer canais de comunicação abertos e flexíveis para entender as necessidades específicas de cada estudante PcD logo no ingresso e ao longo de sua trajetória acadêmica. Temos feito isso, mas é preciso melhorarmos. Além disso, é necessário contar com equipes multidisciplinares (pedagogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, etc.) para realizar avaliações que identifiquem as necessidades de apoio e as melhores estratégias de inclusão para cada caso”, afirma.

Ela sugere Planos Educacionais Individualizados, construídos em colaboração com os estudantes, e destaca a importância dos professores e gestores estarem dispostos a flexibilizar normas, prazos e formas de avaliação, além de realizar adaptações razoáveis no ambiente físico, nos materiais didáticos e nas metodologias de ensino e adotar uma perspectiva que valorize as habilidades e o potencial de cada estudante, em vez de focar nas suas limitações, oferecendo o a tecnologia assistiva adequada às necessidades de cada estudante, com treinamento para seu uso eficaz.

“O aumento do número de estudantes PcD nas universidades tem um potencial significativo para mudar o cenário e promover a conscientização. A presença de mais pessoas com deficiência no ambiente universitário torna a diversidade mais visível e contribui para quebrar estereótipos e preconceitos entre os estudantes não PcD e os gestores. O contato direto com colegas PcD pode gerar empatia e compreensão”, pontua.

Para ela, um número maior de estudantes PcD tende a aumentar a pressão por ambientes mais íveis e por políticas de inclusão mais eficazes, tanto por parte da comunidade acadêmica quanto dos órgãos de controle.

“A convivência com a diversidade no ensino superior pode formar profissionais mais sensíveis às questões da inclusão e mais preparados para atuar em uma sociedade plural, assim como, à medida que pessoas com deficiência concluem seus estudos e ocupam espaços de poder e decisão, incluindo a gestão pública, elas podem trazer suas vivências e perspectivas para a formulação e implementação de políticas mais inclusivas. O sucesso acadêmico e profissional de pessoas com deficiência serve como exemplo e incentivo para outros estudantes PcDs, fortalecendo o movimento pela inclusão e pela garantia de direitos”, pondera.

Ensino superior não pensado para PcDs

Para a autista e estudante de psicologia da Universidade de Brasília, Rebeca Bressan, de 23 anos, os ambientes não são pensados para pessoas com deficiência. “Fundamentalmente, o ensino não foi feito com a gente em mente. Nem o ensino fundamental, nem o ensino superior. Com essas ajudas, o cenário melhora. Mas chegar ao ensino superior é complicado porque o processo inteiro é pensando em quem não é PcD”, diz.

Ela conta que no curso de psicologia os professores costumam ser inclusivos. “Um ou outro age como se soubesse mais da minha condição do que eu mesmo. Os professores são bem acolhedores, eles tendem, eles me deixam falar sobre a minha condição”, pontua. Rebeca cita também o apoio da Diretoria de ibilidade da UnB.

Apesar desse tipo de e, os desafios de estar dentro do transtorno do espectro autista são diversos. “Teve um período em que eu me sentia péssima em questão de estudo. Porque quando eu era mais nova, conseguia me concentrar e tirar boas notas. A partir do ensino médio, eu não conseguia mais forçar isso e não sabia qual era o problema porque eu ainda não tinha o diagnóstico [de Autismo e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade]”, conta.

Como não se sentia pertencente, Rebeca relata que teve uma fase depressiva. “Tive muito problema de autoestima por não saber o que acontecia comigo”, relata.

Sobre a realidade PcD na universidade, ela observa que muitos benefícios nem são de conhecimento dos alunos. “A biblioteca, por exemplo, tem uma área própria para você ir lá que é completamente isolada para quem tem problema sensorial igual a mim”, disse.

Ela cita também que com o apoio da Diretoria de ibilidade consegue receber tempo a mais para fazer trabalhos e entregar atividades, assim como pode realizar provas em locais isolados e mais quietos, sem tantos estímulos sensoriais. O benefício, no entanto, é perdido no caso de trabalhos em grupos.

“Se o trabalho é em grupo, não tem mais o tempo extra, porque é avaliado que em grupo eu consigo fazer dentro do prazo. Então, na verdade, sinto como se minha deficiência caísse no ombro do meu grupo, como se eu estivesse atrapalhando. Essa não é uma experiência boa para os outros nem para você mesmo”, finaliza.

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