Serviços fantasmas e laranjas: como atuavam entidades suspeitas de fraudes no INSS
PF descobriu associações que não teriam sede adequada para a realização de serviços, além de presidentes supostamente inaptos
Brasília|Rafaela Soares, do R7, em Brasília

As investigações da Polícia Federal mostraram que algumas das entidades e associações envolvidas no esquema de supostas fraudes contra aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) não possuíam qualquer estrutura para oferecer os serviços contratados.
Também foram identificadas inconsistências nos cargos de presidência. Em um dos casos analisados, em maio de 2021, a instituição era presidida por uma idosa de 81 anos. Segundo o relatório, a situação “poderia comprometer suas ações à frente da entidade, beneficiários de aposentadoria por incapacidade permanente e/ou sem experiência empregatícia formal, o que pode indicar eventual comprometimento da capacidade para gerenciamento das entidades.”
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Em outro caso, a presidência era ocupada por uma mulher de 86 anos, pensionista do serviço público federal. Além disso, ela está inscrita no CadÚnico (Cadastro Único) — sistema do governo federal responsável pelo registro de famílias beneficiárias de programas sociais — com uma renda per capita de R$ 1.320.
Além disso, o relatório que embasou a operação da Polícia Federal na semana ada apontou que as associações apresentavam “indicativos de não possuírem capacidade operacional para realizar e processar as filiações, tampouco para prestar os serviços que supostamente disponibilizariam aos filiados, em razão da falta ou da pequena quantidade de empregados.”
Segundo a análise dos investigadores, cinco entidades não possuíam registro na RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) até 2021. A partir desse ano, o cenário evoluiu da seguinte forma:
- Uma entidade registrou nove issões e um desligamento;
- Outra associação não possuía registro no CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) nos anos de 2022 e 2023;
- Em um dos casos, a entidade não tinha registro até 2022 e, apenas em 2023, contratou um funcionário.
Conflito de interesses
As investigações revelaram que, em um dos casos analisados, um então diretor de atendimento do INSS participou de um evento em que foi firmado um acordo entre o instituto e uma determinada entidade. A assembleia ocorreu em agosto de 2021, e o mesmo servidor público assumiu a presidência da entidade em abril de 2022.
Além disso, em outro caso, o presidente de um sindicato também atuava como “representante, presidente, sócio, responsável e sócio-” de diversas empresas, incluindo corretora de seguros, plano de previdência complementar e de saúde, cooperativa de crédito, comércio de material de construção, criação de equinos, comércio atacadista de produtos de higiene, limpeza e conservação domiciliar, e comércio varejista de peças e órios novos para veículos automotores.
Entenda
A operação da PF e da CGU foi deflagrada na última terça (22) e cumpriu 211 mandados judiciais, incluindo ordens de busca e apreensão, sequestro de bens, avaliados em mais de R$ 1 bilhão, e seis mandados de prisão temporária.
As investigações apuram um esquema nacional de cobranças indevidas em benefícios do INSS. Conforme as apurações, aposentados e pensionistas foram alvo de descontos não autorizados de mensalidades associativas, aplicados diretamente sobre os valores de aposentadorias e pensões. O prejuízo estimado chega a R$ 6,3 bilhões, acumulados entre os anos de 2019 e 2024. Ao menos 11 entidades são suspeitas.
Ainda não se sabe quanto desse valor foi indevidamente descontado e quanto tinha autorização dos beneficiários. Os investigados poderão responder por corrupção ativa e iva, violação de sigilo funcional, falsificação de documentos, organização criminosa e lavagem de dinheiro. A apuração das autoridades levou à demissão do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e ao afastamento de servidores.
Dois dias depois da operação, representantes do INSS e da CGU informaram a suspensão dos descontos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas por convênios com entidades, como associações e sindicatos. A pausa é por tempo indeterminado, até a conclusão da análise de cada acordo, para a identificação dos descontos irregulares.
Segundo o ministro da CGU, Vinicius de Carvalho, para reorganizar o sistema de desconto e torná-lo mais rígido e seguro, é necessária a suspensão de todos os acordos de cooperação técnica vigentes, celebrados pelo INSS com entidades nos últimos anos. “O governo vai ressarcir o que foi descontado irregularmente. Isso estará em um plano que será apresentado em breve”, declarou Carvalho.
O ministro não informou, no entanto, quando nem como esse ressarcimento será feito. Segundo Carvalho, o governo federal elabora um plano para identificar os descontos fraudados e permitir as devoluções. O planejamento, que deve ser apresentado “em breve”, como afirmou o ministro, vai detalhar o total dos valores que serão ressarcidos e o formato das reposições.
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