Como a ciência ajuda a produzir um tomate mais resistente e saboroso
Os desafios da pesquisa no Brasil e como prever as demandas do campo de amanhã

Desenvolver uma nova variedade de tomate resistente às pragas, com uma produtividade e sabor sem igual, não é uma tarefa simples. Exige anos de testes, cruzamentos planejados e um profundo conhecimento do presente para tentar enxergar o futuro.
O Mundo Agro participou do DemoDay, da Enza Zaden, em Holambra, no interior de São Paulo. E eu pude conhecer de perto as diferenças entre um produto desenvolvido pela empresa e outro qualquer.
É pesquisa. Tecnologia de ponta. Melhoramento genético para oferecer na gôndola dos supermercados e sacolões os melhores tomates.
Eu conversei com Gustavo Oliveira, gerente global de melhoramento genético da Enza Zaden. Com mestrado e doutorado em genética e melhoramento de plantas e uma paixão declarada pela cultura do tomate, ele lidera equipes em diversos continentes e, a partir de agora, a a comandar o programa global diretamente da Espanha, centro estratégico de pesquisa da empresa.
Nesta entrevista, Gustavo compartilha os bastidores da criação de sementes híbridas, os impactos do clima, o papel dos produtores no processo e como ciência e sensibilidade andam lado a lado no desafio de alimentar o mundo com qualidade, eficiência e segurança.

Mundo Agro: Gustavo, você está de mudança. Para onde vai e qual será sua nova função?
Gustavo Oliveira: Sim, estou de partida para a Espanha. Lá temos um centro maior de pesquisa, e a partir de agora o a coordenar globalmente o desenvolvimento e melhoramento genético de tomates a partir desse centro. Continuo responsável pelas equipes nas Américas, Espanha, Turquia, África, Sul da Ásia e Oceania.
Mundo Agro: Você trabalha com outras culturas além do tomate?
Gustavo Oliveira: Não. Eu e minha equipe somos 100% focados em tomate. Somos especialistas nisso.
Mundo Agro: Quanto tempo leva para desenvolver uma nova variedade de tomate?
Gustavo Oliveira: Um ciclo completo de melhoramento leva entre 6 e 9 anos, desde o cruzamento de duas linhagens até chegar a um híbrido comercial.
Mundo Agro: O que é avaliado nesse processo de melhoramento?
Gustavo Oliviera: Avaliação de produtividade, resistência a pragas e doenças, adaptação ao clima tropical, firmeza do fruto, aparência, ausência de manchas e rachaduras. Em programas , como tomate-cereja ou de estufa, avaliamos também sabor, acidez, brix e textura (o famoso “crunch”).
Mundo Agro: Todos esses critérios são importantes para qualquer tipo de tomate?
Gustavo Oliveira: Depende do mercado. Para tomate commodity, o foco é firmeza e transporte, já que não há bonificação por sabor. Para nichos , como tomates especiais, sabor e textura são fundamentais.
Mundo Agro: E o solo? Influencia no sucesso da semente?
Gustavo Oliveira: Muito. Nem todos os solos são ideais. Em cultivos intensivos, o solo pode acumular doenças. Por isso usamos enxertia: unimos uma raiz resistente com uma copa produtiva. Isso muda completamente a eficiência da planta.
Mundo Agro: Chuva e umidade também são vilões do cultivo de tomates?
Gustavo Oliveira: Sim. Mesmo com uma excelente semente, excesso de chuva pode comprometer o cultivo. Mas desenvolvemos híbridos, como o TY 614, com alta resistência à chuva e menor propensão a doenças. Ele foi desenvolvido no Brasil, do início ao fim, pela nossa equipe.
Mundo Agro: Qual é o maior desafio de trabalhar com melhoramento genético?
Gustavo Oliveira: Trabalhar com o futuro. O que eu cruzo hoje só vai para o mercado em 6 a 9 anos. Então, preciso prever quais problemas o produtor enfrentará lá na frente.
Mundo Agro: Como vocês preveem essas demandas?
Gustavo Oliveira: Muito contato com produtores. Fazemos testes nas propriedades deles. Eles nos dão s valiosos sobre firmeza, colheita, doenças. Isso guia nossa seleção.
Mundo Agro: Hoje, qual é a principal ameaça ao tomate no Brasil?
Gustavo Oliveira: A mosca-branca, que se intensificou por fatores indiretos, como a redução de pulverização na soja. Isso aumentou a população da praga e, com ela, doenças como o TY (Tomato Yellow Leaf Curl Virus).
Mundo Agro: E o Tomato Brown Rugose Fruit Virus (ToBRFV), que afetou países como a Argentina?
Gustavo Oliveira: É uma ameaça global. Ainda não temos registro dele no Brasil, mas estamos preparados. Já temos materiais com resistência a ele, porque nosso trabalho é prever o futuro.
Mundo Agro: Por que você escolheu trabalhar com tomate?
Gustavo Oliveira: Foi por acaso. Minha formação era em milho. Durante o doutorado nos EUA, surgiu a vaga para melhorista de tomate em Holambra. Me candidatei porque queria morar aqui. Um ano depois, me apaixonei pela cultura e não quis voltar para o milho.
Mundo Agro: Você consome tomate? Tem um preferido?
Gustavo Oliveira: Sim, gosto de salada e prefiro o tomate italiano. Tem menos placenta e é mais consistente. Não sou muito fã do tomatinho, acho doce demais.
Mundo Agro: O que o tomate representa na sua vida?
Gustavo Oliveira: Tudo. É minha carreira, meu sustento, minha paixão. E o mais gratificante: meus filhos dizem com orgulho “foi meu pai que fez esse tomate”.
Mundo Agro: Na sua opinião, onde estão os melhores tomates do mundo?
Gustavo Oliveira: Depende. Em termos de tecnologia, os da Holanda, França e Alemanha são os mais controlados e padronizados. Já na Itália, os tomates têm uma textura e um sabor únicos, mesmo sem tecnologia. São dois mundos diferentes, ambos incríveis.
Mundo Agro: O que é melhoramento genético?
Gustavo Oliveira: Melhoramento é cruzamento de plantas de forma natural, para buscar variedades mais resistentes e produtivas. Não fazemos transgênicos. A transgenia é uma técnica, mas hortaliças como o tomate são desenvolvidas apenas com cruzamentos naturais.
Mundo Agro: E como surgem os nomes das variedades, como o TY 614?
Gustavo Oliveira: Alguns nomes vêm do marketing, mas muitos vêm de códigos internos. O TY 614, por exemplo, já era chamado assim internamente, e o nome pegou. Às vezes tentamos nomes italianos ou locais, mas isso varia.
Mundo Agro: Você continua estudando? Em que área?
Gustavo Oliveira: Sim. Hoje, estudo como aplicar inteligência artificial no melhoramento genético, especialmente para prever cruzamentos e encurtar ciclos. A IA já é usada há anos em predição genômica, mas a tecnologia está evoluindo muito rápido.
✅Fique por dentro das principais notícias do dia no Brasil e no mundo. Siga o canal do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp